Reminiscência
"As entranhas do poder não são bonitas", Eduardo Jorge Caldas Pereira.
Acabei de ver um documentário, O Inimigo do meu Inimigo, sobre como Klaus Barbie ficou impune por décadas e como a extrema-direita persistiu em governos ocidentais. Barbie é o nazista conhecido como o "Carniceiro de Lyon" por sua crueldade ao torturar membros da Resistência francesa. Logo no começo, uma de suas vítimas relembra como ele apontou seu revólver para crianças ao irritar-se com a calma de seu pai.
Isso lembrou-me imediatamente de algo que testemunhei em 2008, quando comecei a trabalhar no poder judiciário. Em uma das primeiras audiências em que trabalhei, ao final dos depoimentos, um dos três réus confessos de um furto (lembro-me até do que foi furtado: guitarra e amplificadores), já solto, questiona o juiz: "Os policiais entraram na minha casa apontando as armas para o meu filho, o senhor acha que é justo que uma arma seja apontada para uma criança?". Resposta, ríspida: "Você não fez? Fez, não fez? A culpa é sua". Nos dois anos seguintes, ouvi o mesmo magistrado elogiar diuturna e efusivamente a ditadura militar no Brasil. Não vi ninguém, a não ser eu, quando esse papo furado foi dirigido a mim, o confrontar sobre esta posição antidemocrácita no período em quem trabalhei lá. Todos ouviam quietos, ou concordavam. Em outra ocasião, o mesmíssimo magistrado perguntou-me se eu era judeu. Respondi que não, mas que se fosse descendente de judeus isso me era indiferente. No dia seguinte me pediu desculpas pela pergunta, que achei esquisita, mas que não me ofendeu, claro. Disse-me que isso lhe havia tirado o sono. Duvido.
Klaus Barbie e inúmeros outros criminosos de guerra nazistas refugiaram-se na América Latina após o término da Segunda Guerra Mundial, inclusive no Brasil - caso de Joseph Mengele, o Anjo da Morte. Foram bem acolhidos pelas ditaduras militares que assassinaram e torturaram impunemente.