História do Núcleo Laudelina de Campos Mello da Educafro Minas
Escrevi o texto abaixo para o III Encontro de Cultura e Cidadania da Educafro Minas, que ocorreu entre os dias 25 e 27 de abril, na minha cidade natal. É um texto de apresentação para o núcleo da Educafro em Poços de Caldas; foi bacana redigi-lo porque exigiu alguma pesquisa, embora já soubesse muitas informações. O texto foi entregue em uma pasta junto a outros materiais para os participantes do encontro. Tive impressão que foi pouco lido, por isso o disponibilizo aqui. Além disto, pode ser que algum dia sirva como material de referência para alguém. Revisei levemente o texto para sua leitura ficar mais clara, mas foram apenas duas pequenas correções. Apesar de apoiar o trabalho da Educafro, sempre manifestei minha opinião contrária às cotas no vestibular – uma das bandeiras da Educafro é justamente o sistema de cotas.
A idéia de se montar um núcleo do Educafro em Poços de Caldas nasceu em reuniões de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), das quais participavam movimentos sociais e indivíduos atuantes na esfera religioso-comunitária. A proposta de inclusão social através da educação superior e com enfoque na cidadania – desenvolvida pela ONG de âmbito nacional Educafro, fundada pelo Frei David Raimundo dos Santos – foi abraçada pela ONG Credhep (Centro Regional de Direitos Humanos e Educação Popular), que se identificou com um curso pré-vestibular autogerido e com professores voluntários. O Credhep então avaliou se adotaria o sistema dos Salesianos ou da Educafro, decidindo-se por este último e adotando a apostila do Educafro de São Paulo.
O núcleo da Educafro em Poços de Caldas teve como ponto de partida uma reunião na Paróquia do Sagrado Coração em meados de 2003. Nesta reunião se apresentaram voluntários para coordenadores e principalmente para professores; as aulas tiveram início no dia quatro de agosto de 2003. É importante frisar que além de apartidário (mas não apolítico), o corpo de voluntários desde sempre possuiu pessoas de outras religiões não-católicas, além de ateus e agnósticos.
O núcleo do Educafro em Poços de Caldas até hoje é mantido pelo Credhep, que já havia apresentado com sucesso o projeto de implantação do Conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente na cidade, no início dos anos 1990. Os membros do Credhep viram no Educafro a chance de implantar um projeto de educação popular na cidade, um objetivo que existia desde o início da ONG e que está expresso em seu nome. Muitos coordenadores pertencem o Credhep e estão neste trabalho desde o início, enquanto inúmeros profissionais deram sua contribuição a este trabalho, atuando como professores e coordenadores enquanto foi possível. No início, o Colégio Jesus Maria José abrigou o Educafro em Poços de Caldas.
A primeira turma de 80 alunos do segundo semestre de 2003 teve vestibulandos que passaram em universidades prestigiadas como a Unicamp, Unesp e Unimep. Desde então, vários alunos já entraram na universidade e se formaram, mas alguns voltaram para o Educafro como voluntários; seja na coordenação, seja como professores, inclusive em outros núcleos, demonstrando que o senso de solidariedade, bem comum e cidadania da Educafro foi bem absorvido por muitos.
Em 2006, o núcleo do Educafro em Poços de Caldas transferiu sua filiação para a coordenação de Minas Gerais, mantida pela Casa de Santo Antônio, passando a adotar as apostilas elaboradas pela UFMG. Em agosto de 2007 as aulas passaram a acontecer em instalações do antigo Colégio São Domingos, cedido pelas irmãs dominicanas. Neste tempo todo, o Educafro atendeu uma média de 80 alunos por ano, e estudantes que passaram pelo cursinho ingressaram em outras universidades públicas, como a Ufop e a USP, além de conquistarem bolsas em universidades particulares como a PUC.
Os voluntários do núcleo de Poços de Caldas têm consciência, no entanto, que esta ação social tem percalços: muitos afrodescendentes que poderiam estar freqüentando as aulas não estão no Educafro porque sequer concluíram o ensino médio, devido às desigualdades sociais bem conhecidos de todos; desde ao menos 2004 há o problema de evasão de alunos e de professores que não podem comparecer com a freqüência necessária às aulas; e devido às dificuldades econômicas e até mesmo familiares, poucos alunos ingressam em universidades públicas. Entre os que passam no vestibular, a maioria ingressa em faculdades particulares, devido à uma particularidade regional: a única universidade pública da região, a UEMG, oferece apenas o curso de pedagogia. Entretanto, sabemos que o trabalho paciente é a chave de transformação da sociedade para que tenhamos um mundo mais justo. Por isso o núcleo do Educafro na cidade homenageia em seu nome a líder feminista Laudelina de Campos Mello (1904-1991), que nasceu em Poços de Caldas. Após uma vida de privações, ela conseguiu superar as humilhações que sofreu por ser negra e fundou o primeiro sindicato de domésticas do país, em Campinas, onde faleceu como um símbolo da luta contra o racismo e o machismo. Antes foi eleita Chefe do Departamento de Sociologia, da Pontifícia Universidade Católica – PUC, no Rio de Janeiro, por reconhecimento de sua competência. É neste exemplo em que nos miramos.