Friday, February 02, 2007

Entrevista com Ignácio de Loyola Brandão

Fiz a entrevista abaixo para o trampo do qual puxei o carro. Tentei fazer perguntas legais, cutucando quem merece, mas estou consciente que também tem um tom institucional porque a entrevista foi feita para um release (e de fato foi publicada por um jornal local, mas dessa vez com crédito e na íntegra). Também estou consciente que as perguntas estão muito extensas, mas como expliquei para o Ignácio, acho que assim elas poderiam suscitar reflexões interessantes. Ignácio de Loyola Brandão virá para a II Feira do Livro de Poços de Caldas no dia 24 de março. Eu fiz a programação cultural da II Feira do Livro com a preciosa ajuda do escritor Chico Lopes, que é mencionado na entrevista. Aí está a entrevista, com a introdução e títulos originais, tal como foi feita no dia 31 de janeiro de 2007.

Ignácio de Loyola Brandão: lutador veterano

O araraquarense Ignácio de Loyola Brandão deve ser conhecido de todo amante da literatura. Sua carreira enveredou pelo romance, conto, crônicas, biografias, relatos de viagens e até por uma incursão pela dramaturgia. Zero, Não Verás País Nenhum, O Anônimo Célebre e outras obras de Brandão são clássicos da literatura brasileira contemporânea. Depois de superar um aneurisma, fato que relata em Veia Bailarina (1997), ele continua produzindo muito até hoje, com bom humor. Repare no final da primeira resposta para ver como ele superou bem a experiência traumatizante de estar perto da morte.

(Texto e entrevista: Daniel Souza Luz)
O senhor já esteve em Poços de Caldas antes, em palestras no Instituto Moreira Salles, chamou a atenção de forma inédita para o trabalho de Jurandir Ferreira – quando ele ainda era vivo – em uma matéria na revista Veja e tem um bom relacionamento com o escritor Chico Lopes, que reside na cidade. Ou seja, tem alguns laços com Poços. Portanto, o que espera de participar da II Feira do Livro de Poços de Caldas com relação ao público e o que pretende abordar em sua palestra?
Ignácio de Loyola Brandão - Daniel, minha relação com Poços de Caldas começou com uma tia que foi passar a lua de mel aí, tirou fotos na Fonte dos Amores e voltou muitas vezes. Um dia, voltou sozinha, o marido ficou com a camareira do hotel. Poço para mim ficou como uma coisa de pecado, de perdição, de fascínio pelo proibido, porque éramos proibidos de tocar no assunto, parece que a tal tia era frígida. Depois veio a ligação com Chico Lopes - um autor diante do qual o Brasil ainda vai se curvar - grande cabeça, grande contista, grande indignado, íntegro, uma pessoa que não faz concessões, luta contra a mediocridade reinante. E paga um preço por isso. Claro, tem também o IMS que lançou meu Caderno. Nutro uma relação amigável, fraterna, intensa com o [Antonio Fernando] De Franceschi (nota: superintendente executivo do Instituto Moreira Salles) e a obra que ele vem realizando (além de sua poesia, evidente). Outra relação muito boa tenho com Mario Seguso, o vidreiro. Um criador dessa envergadura, um homem rutilante, esfuziante, bom de papo, bom de sopro, bom de alma, bom de imaginação e delírio. Quanto a esperar da Feira, espero o usual. Que ela aconteça, que tenha público, que os escritores se saiam bem, que as pessoas freqüentem, conversem, perguntem, comprem. O essencial é: a feira está sendo feita. Uma, duas, três. Quanto mais feiras, bienais, melhor para a literatura, o livro, o escritor, o leitor, o professor, o país. Ainda bem que Poços está fazendo a sua segunda. Marcarei meu lugar para a décima, a vigésima, a centésima (Me diga, quantos anos a gente vive mesmo? A expectativa de vida tem crescido, não?).

Apesar de sua carreira ter início nos 1960, acredito que foi na década de 1970 que seu trabalho despontou. O senhor acha que hoje um romance como Zero, que tem uma estrutura diferenciada, mais complexa, faria sucesso em uma época em que as mídias eletrônicas têm muita atenção, ou seja, em que o ato de pensar talvez esteja sendo mais mastigado?

Ignácio - Como saber se Zero faria sucesso? Difícil, é um livro especial, uma explosão de um momento, é um retrato de um Brasil implodido. Mudam os contornos, continua a moldura. Não temos mais a ditadura, mas temos a economia apertada, o desemprego, a miséria, a demagogia de um presidente que fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala... Será que Zero faria sucesso num tempo de Código da Vinci, Harry Potter, Paulo Coelho, Zibia Gaspareto, Michael Crichton, e tantas edições sobre Oriente, Irã, Cabul (quem ainda agüenta Cabul?)? No entanto, Zero continua a ser vendido, a ser lido por jovens - 30 anos depois, olhe lá - o que mostra que ele foi escrito para durar e que ao quebrar todas as regras da narrativa convencional estava mostrando que a literatura deve ser feita com muita liberdade, mas muita.

Por falar em mídia: quando o senhor lançou o Anônimo Célebre, em 2002, entrevistei o senhor a respeito de passagens do livro que pensei que eram totalmente ficcionais, pois quase não assisto televisão, mas o senhor me falou que eram baseadas no que se via na TV. O senhor acha que a baixaria, a busca pela fama a qualquer preço e a fofoca ficaram ainda piores atualmente em uma TV aberta que quase sempre foi de péssima qualidade, talvez com o Youtube e demais mídias eletrônicas representando um papel nesse sentido?

Ignácio – O surto pela celebridade prossegue. O surto pela cretinice continua. A idiotice impregna tudo. BBB ainda tem audiência, como também o Gugu Liberato e o Gilberto Arghhh Barros. Outro dia um escritor jovem me perguntou como fazia para promover seu livro, queria ficar famoso logo. Perguntei sobre o que era o livro, ele disse que não sabia, ainda não tinha escrito. Na verdade, emendou, quero saber se é mais fácil ficar famoso com livro, com televisão, com cinema. Dizer o que quando a estupidez prevalece? Veja só como as coisas funcionam. Que filmes a Cicarelli fez? Que novelas? Que peças? Que desfiles ultimamente? Que comerciais? Não sabe responder por que ela não faz nada, vive de mídia, vive de amassos na praia, vive da glória fugaz do Youtube. Ela é o maior símbolo da filosofia atual. Síntese de tudo.

Sua obra é extensa e versátil. O senhor inclusive já enveredou pela dramaturgia. Há uma preferência por algum gênero em especial?

Ignácio
– Se o tema dá crônica, faço com o maior prazer. Se dá romance, tento. Se é conto, tento. Minha preferência é o assunto, o tema, o homem brasileiro, as condições de vida neste país, a solidão, a angústia, o vazio existencial. Refletir tudo isso na literatura.

No fim dos anos 1970, o senhor lançou um livro sobre Cuba. Fernando Moraes e Frei Betto também lançaram obras a respeito, e portanto muitos leitores brasileiros têm algum conhecimento sobre a vida naquela ilha. Hoje, com os clamores pela democracia, o desrespeito aos direitos humanos pelo qual o regime de Fidel Castro é constantemente denunciado, o enfraquecimento de Fidel e o fato de seu irmão assumir o poder tal como uma monarquia, há como fazer um retrato simpático da ilha?

Ignácio – Não sei como fazer um retrato simpático da ilha. Tudo o que posso dizer é que Fidel (como o Lula) esmagou os sonhos de uma geração. Com ele, um dia, acreditamos que a condição social e econômica das pessoas podia ser mudada. Ele não mudou, perdeu o trem da história. Não percebeu que tinha realizado um feito enorme, mas fechou-se dentro desse feito, segregou-se, julgou-se Deus, assim como Stalin, Mao, Hitler, Mussolini. Não viu o mundo se transformando. Fidel apodreceu e levou junto seu pobre povo. Tenho a maior simpatia pelos cubanos e lamento o que estão passando. Um povo bonito, alegre, trabalhador - trabalhou muito, e para que? -, musical. Esmagado. Aquele povo, com quem tive contato durante 40 dias seguidos, não merece o castigo que está sofrendo. O dilema é: e se os americanos ocupam Cuba outra vez? Fidel matou Cuba tanto quanto o ditador Batista que ele depôs.