Hemingway na fita errada
Havia muito tempo não lia a Isto É. Nunca fui muito fã da revista, mas resolvi espiar uma edição do começo deste mês. Leio em uma reportagem interessante de Kátia Mello que um jornalista alemão reuniu na correspondência de Ernest Hemingway evidências de que o escritor matou 122 soldados do Eixo durante a 2ª Guerra Mundial, época em que ele se alistou no exército dos Estados Unidos. A reportagem abre com uma consideração de que o fato abala um mito da esquerda. Para mim, isto não deveria surpreender ninguém. Sei que Hemingway ajudou Joris Ivens e Roman Karmen a registrar os horrores da Guerra Civil Espanhola; o documentário foi bancado por intelectuais norte-americanos de esquerda que estavam preocupados com Franco e chegou a ser visto pelo presidente Roosevelt.
No entanto, quem leu Adeus às Armas sabe perfeitamente o quanto Hemingway é frio em relação à guerra, embora o livro permita vislumbrar uma leitura pacifista. A prosa dele é quase insensível, seca e sem grandes insights, exatamente o inverso da escrita de Henry Miller, para citar apenas um escritor norte-americano que perambulou pela Europa nesta mesma época de efervescência literária. Embora o vazio das mortes sem sentido seja o momento onde Hemingway concentre a força da sua escrita nesta obra, em que justamente a frieza produz os momentos de mais alta densidade literária, é patente que ele as considera fatalidades inevitáveis em uma guerra. Adeus Às Armas também evidencia que o autor possui uma tendência belicista meio atávica, que ele não consegue evitar. Quando seu narrador mata um aliado, o faz sem culpa e sequer tece grandes considerações posteriores a respeito. No entanto, na vida real, não deixa de ser lamentável que Hemingway tenha matado um soldado alemão de 17 anos que tentava escapar da prisão. A reportagem cita a atração por combates que Hemingway demonstrou em vida. Não sei o quanto isso o angustiava ou não, se os assassinatos a sangue frio que ele cometeu na prisão - os inimigos estavam cativos, portanto fora de combate - influenciaram o seu suicídio em 1961, mas penso que um passado tão violento não deixa de ser um fator determinante.